As mulheres durante a luta de libertação de Moçambique e depois Podcast By  cover art

As mulheres durante a luta de libertação de Moçambique e depois

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Moçambique assinala neste 25 de Junho de 2025, os 50 anos da sua independência. Por esta ocasião, a RFI propõe-vos um percurso pela história do país e a sua luta pela liberdade. No nono episódio desta digressão, debruçamo-nos sobre o estatuto da mulher durante a luta de libertação, até aos dias de hoje em Moçambique. Quando se fala das mulheres nos tempos da luta é inevitável lembrar a figura de Josina Machel, primeira mulher do Presidente Samora Machel e também heroína da guerra de libertação. Nascida em 1945 em Vilankulos, no sul do país, no seio de uma família que se opõe ao colonialismo, Josina Machel ingressa na resistência em 1964. Envolvida em actividades de formação na Tanzânia, a jovem activista rejeita uma proposta de bolsa de estudos na Suíça para se alistar em finais dos anos 60 no recém-criado destacamento feminino da Frelimo, Josina Machel militando para que as mulheres tenham um papel mais visível na luta de independência. Ela não terá contudo oportunidade de ver o seu país livre. Dois anos depois de casar com Samora Machel com quem tem um filho, ela morre vítima de cancro aos 26 anos no dia 7 de Abril de 1971, uma data que hoje é celebrada como o dia da mulher moçambicana. Símbolo de resistência no seu país, Josina Machel ficou na memória colectiva como a encarnação do destacamento feminino. Óscar Monteiro, membro sénior da Frelimo, recorda as circunstâncias em que ele foi criado em 1966. "No processo político que nós vivemos em Moçambique, houve um momento em que as pessoas pensavam ‘nós temos uma linha política clara, justa, avançada’. E uma das questões muito importantes, era a atitude em relação às mulheres. Era normal, pela tradição que as mulheres fossem consideradas disponíveis como amantes. Quando Samora assume a direção, ainda me recordo de uma frase e se formos procurar esse documento, está lá a frase. Nós tínhamos criado o destacamento feminino em 1966, Samora tinha sido o instrumento disso. Então há uma frase que ele medita nessa altura. E a frase está lá. ‘Não criamos o destacamento feminino para fornecer amantes aos comandantes’. Estava só nesta frase. Já está aqui todo um programa que nós chamamos de emancipação da mulher, mas que é, no fundo, de igualdade de qualidade política da vida. Quer dizer, tu estás a fazer a luta de libertação. Isso não te permite fazer não importa o quê. Tu tens que ser uma pessoa diferente, uma pessoa melhor", explicita o responsável político. As mulheres que combateram foram uma faceta da condição feminina durante os anos de luta. Outros rostos, menos conhecidos e bem menos valorizados, são aqueles das chamadas ‘madrinhas de guerra’. Para dar alento aos soldados portugueses que partiam para a guerra sem saber se haveria regresso, o Estado Novo promoveu a correspondência entre milhares de mulheres e militares. Numerosas relações epistolares acabaram em casamento. Em Portugal, houve muitas. O que não se sabe tanto, é que em Moçambique também houve ‘madrinhas de guerra’. Um jovem antropólogo e fotojornalista moçambicano, Amilton Neves, conheceu-as e retratou as duras condições de vida que conheceram depois da independência. "Comecei a trabalhar sobre as ‘madrinhas de guerra’ em 2016. Isso porque já pesquisava e encontrei um discurso do Presidente Samora que dizia que as ‘madrinhas de guerra’ são ‘meninas retardadas’. Interessei-me por isso. Porquê as ‘madrinhas de guerra’? Que é isto? Então fui ao Arquivo Histórico, até à Torre do Tombo, em Lisboa, para perceber melhor. Porque as ‘madrinhas de guerra’ não começam aqui. Começam em 1916 com a Grande Guerra em Portugal. E descobri que algumas ‘madrinhas de guerra’ viviam aqui em Maputo, numa zona só. (…) Então, quem eram as ‘madrinhas de guerra’? Eram miúdas que eram recrutadas para escrever cartas para os militares de forma a incentivá-los e dizer que ‘não te preocupes, quando voltares da guerra, nós vamos casar. O Estado português sempre vai ganhar.’ Então, neste exercício de troca de cartas, quando houve a independência, em 1975, as madrinhas de guerra foram perseguidas pelo novo regime. Então eu fui atrás dessas senhoras. Consegui identificá-las. Levou tempo porque elas estavam traumatizadas", refere o jovem fotojornalista. "As motivações dessas mulheres eram de fazer parte da classe alta naquela altura. Porque elas tinham acesso aos bailes, ao centro associativo dos negros, nesse caso, ao Centro associativo dos Mulatos, às festas que davam na Ponta Vermelha. Elas faziam parte da grande sociedade. Não era algo que poderíamos dizer que tinham algo benéfico em termos de remuneração. Acredito que não ", considera o estudioso referindo-se às razões que levaram essas pessoas a tornarem-se ‘madrinhas de guerra’ que doravante, diz Amilton Neves, "vivem traumatizadas. Algumas se calhar foram a Portugal porque tinham ...
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